Eu não sou meu corpo

Apesar de minha consciência estar sempre dependente do bom funcionamento de meu corpo, ela, sob a forma de espírito, ultrapassa de muito os limites de minha corporeidade, dotando-me de uma autonomia facilmente constatável a cada momento de minha existência. Sob as características de criatividade, racionalidade, sentimento e liberdade, posso participar de um universo virtual que transcende muito as meras condições materiais de meu corpo, tornando-me copartícipe da demiurgia criativa da Natureza.

Então, o que sou de fato? Como pura espiritualidade, meu corpo e minha vida representam apenas um momento de materialização etérea, dotada somente de uma estrutura biológica de extrema fragilidade. Este Espírito me concede autoconhecimento, me permitindo que eu possa caracterizar minha personalidade, concedendo-me uma ipseidade igualmente virtual. O mesmo acontece com minha conceituação do eu, que não é nem um pouquinho parecido de quando eu era criança, o que me permite imaginar que meu eu só é o mesmo pela presença em mim de algo imutável, que mantém em mim a mesma identidade.

Por outro lado, quaisquer de minhas reações vitais são somente produtos de manifestações sensoriais, como objetos, não garantindo nenhuma consistência durável em meu ser, tornando-os consistentes apenas pela virtualidade de algo que se sustenta além delas, na memória de meu cérebro, o órgão responsável pela manifestação de minha consciência, mas que não se confunde com ele, por ultrapassar virtualmente sua fisiologia.

Em complemento, minha consciência atua em mim como parcela quântica de luz, ao me colocar num universo de luminosidade transcendente, me permitindo ultrapassar os limites do espaço e do tempo, concedendo-me, também, por isso, a percepção de que minha natureza é feita de algo além da matéria, que ultrapassa as fronteiras inertes da morte, pois esta é um vazio que contém o seio da Divindade, que não tenho condições de percebê-LO e no qual estão todas as coisas, como experimentou BUDA com o seu Nirvana. É um Nada que é Tudo.

Igualmente, a Natureza é pródiga em nos indicar que nada é um fim em si mesmo, pois tudo ocorre para contribuir com a performance de uma nova situação. Ora, há, pois, uma holística a conduzir tudo, de forma a confirmar a Lei de LAVOISIER, segundo a qual nada se perde, mas tudo se transforma, com vistas a manter o processo contínuo da criação. Confirma-se, portanto, o fato de que nada ocorre em vão, mas tudo está em concordância com os superiores propósitos da Providência que tudo prognosticou com vistas ao melhor, orientando a finalidade global.

Ora, a ideia holística de que nada se esgota em si mesmo, mas tudo participa provisoriamente para formar outra essência, é uma indicação comprovada de que nada tem em si mesmo a completude de sua natureza, fazendo parte de um processo que está sempre em transformação, enriquecendo assim o panorama cósmico do Universo. Dessa maneira, a passagem do verme para borboleta é, para nós, uma indicação forte de que as formas biológicas não são absolutas, mas que existem para sustentar outras estruturas, mais belas,  enriquecendo suas existências. O mesmo ocorre com os alimentos que ingerimos, ao produzirem a energia necessária para manter nossas vidas. Ora, o inter-relacionamento e a interdependência de todas as coisas nos devem conduzir a considerar que o Universo é um poderoso espetáculo de coerência e telefinalismo, o que se comprova pela evolução constante  que afeta todas as criaturas.