Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma

A expressão clássica de Antoine-Laurent LAVOISIER (1743/1794), o mágico da química moderna, necessita de alguns comentários hermenêuticos, provenientes  da importância de suas correlações. Sem dúvida, quando LAVOISIER diz “nada se cria”, está se referindo ao fato de que do nada, nada se cria, havendo sempre a necessidade da presença de pressupostos anteriores que determinam os acontecimentos, como ocorre dentro das reações químicas. Da mesma forma, aplicado este princípio a toda a Natureza, temos de recorrer a ARISTÓTELES, que nos afirma que na ordem antecedente das causas, não podemos regredir ao infinito, tendo que parar numa primeira, fundamento da série, sob pena de anular toda a sucessão posterior.

Não obstante, LAVOISIER, se vivesse hoje, tempos de milagres quânticos, talvez evitasse a expressão “nada se cria”, reconhecendo que os elementos químicos geram efeitos inusitados, assombrando nossos olhos no palco incessante de sua criatividade: substâncias mudam suas características a partir de combinações aleatórias, criando metais e líquidos, numa variedade que nos causa estupefação.

A segunda parte da expressão, “nada se perde”, diz respeito ao principio de conservação da massa ou ao aparente equilíbrio energético constatado nas reações químicas, segundo o qual, no intercâmbio reativo, as forças envolvidas permanecem constantes. Ora, aplicada à Natureza, tal princípio diz respeito ao fato de que cada fenômeno ou acontecimento possui a sua contraparte compensatória, não sendo um fenômeno isolado per se: é o efeito de mútua dependência. Assim, nas contradições humanas, mesmo a morte estaria incluída, com nosso corpo sendo devolvido à terra de onde veio, mas sua alma e espírito imersos na virtualidade de sua transcendência.

Por fim, a expressão “tudo se transforma”, diz respeito à dinâmica das mudanças, ao incessante cambiar de tudo que acontece, sem a qual nada de novo encontraria lugar. Contudo, pela ideia de que nada se perde, temos a confirmação do equilíbrio de tudo, que muda constantemente, mas permanecendo sempre constante em sua repetição. As transformações igualmente seguem a tríade dialética entre tese, antítese e síntese, um processo contínuo de superação, que segundo pensou HEGEL em sua aufhebung(suprassunção), compreende  que a oposição dos contrários não se dá em vão, mas representa um processo contínuo de repetição aperfeiçoada.

Em complemento, cabe ao ser humano reconhecer que o mais importante em sua natureza é o seu aperfeiçoamento psíquico, pelas condições eminentemente espirituais de seu desempenho, exigindo de si uma permanente atenção quanto aos propósitos de sua vida, pois isto é o que importa em nosso destino, exigindo nossa melhoria constante face aos desafios de viver. Sem isto, a duração da vida perde o seu sentido, tornando-se vegetativa entre comer,  dormir e morrer.

Dessa forma, uma nova maneira de compreender a epítome de LAVOISIER haverá por certo de contribuir para nossa compreensão de que, sem a dinâmica da transformação, nem nós estaríamos aqui para testemunhar o milagre da ocorrência de um Universo instável, mais cheio de indícios de suas finalidades dinâmicas. Como nos diz o profeta, tudo muda para ficar do mesmo jeito, sem deixar de permitir a ocorrência do novo e do melhor.