RENÉ DESCARTES – Meditações Metafísicas: Meditação Terceira e Meditação Quarta

TERCEIRA MEDITAÇÃO

Há que se procurar uma base para se afirmar que um conhecimento é verdadeiro. De início observo que tudo o que percebo clara e distintamente é verdadeiro, o que me impede de percebê-lo como falso.

Portanto, da ideia que tenho de Deus posso inferir que Ele não é enganador, porém, sinto que ela é bastante frágil, metafísica. Não obstante, o caminho é meditar sobre que gêneros de certeza que tenho em minha mente, para assim certificar-me de sua veracidade.

Percebo entre meus pensamentos que uns são imagens abstratas ou ideias e outros são volições de afirmações e negações e ainda há outros que são apenas quimeras, do que posso concluir que se diferenciam como atos de vontade ou juízos.

Depois percebo que as ideias, tomadas em si mesmas, nunca podem ser falsas, pois mesmo sendo de um objeto concreto ou uma quimera, não é menos verdadeiro que as percebo.

Dessa forma, devo enfocar apenas os juízos, prestando atenção em não me enganar, pois eles, mesmo relacionando-se com as coisas, não possuem nenhuma semelhança substancial com a exterioridade.

Assim, há uma diferença entre as ideias como imagens das coisas e outras que se dão autonomamente. Ora, a concepção da existência de um Deus soberano, eterno, infinito, imutável, onisciente, onipotente e criador universal de todas as coisas tem em si mais realidade objetiva que todas as substâncias finitas que me são apresentadas.

Ainda mais, percebo que deve haver tanta realidade na causa eficiente quanto no seu efeito, este como resultado da autonomia própria de sua causa. Na continuidade, percebo que o que é mais perfeito e, portanto, possui mais realidade, não pode ser decorrência do menos perfeito. Trata-se aqui de uma realidade formal, tão evidente quanto qualquer juízo de fato.

Dessa forma, sou conduzido a concluir que meu espírito contém realidades formais como quadros ou imagens que estariam além de minhas condições naturais e cuja causalidade intrínseca não pode regredir ao infinito, devendo parar numa primeira, origem de toda  a série.

Este princípio é a ideia de DEUS, que concebo como uma substância infinita, eterna, imutável, independente, consciente e onipotente e pela qual todas as  coisas foram cridas. Concluo, pois, que Deus existe, a partir da ideia de uma substância infinita, que não teria surgido só de mim, que sou uma substância finita.

Esta ideia do infinito não surge a partir da negação do finito, mas sim do fato de que ela foi inserida em mim por Deus, como uma realidade mais consistente do que poderia eu ser. Esta ideia não pode ser falsa, pela mesma maneira que intuo sobre a realidade do frio. O critério da verdade é que as ideias sejam claras e distintas enquanto as concebo. A ideia do perfeito não poderia surgir em mim, que sou imperfeito, mas sim de Alguém que me inspirou a concebê-la.

QUARTA MEDITAÇÃO

A ideia de DEUS não pode ser enganadora, pois esta representa fraqueza e insinceridade e Deus não é assim. Também, a capacidade minha de julgar me foi concedida por Deus e meus erros, como carência, não foram dedos por Deus. Eles são apenas resultado de algum conhecimento que eu deveria possuir.

Assim, percebo que meu reto conhecimento depende de duas coisas, meu entendimento e minha vontade; pelo entendimento, apenas percebo, afirmando ou negando algo; já pela vontade, oscilo em minhas capacidades de escolha, pelo livre arbítrio que me foi concedido pelo Criador.

Portanto, no entendimento sou iluminado pela luz da verdade em meus juízos, o que não acontece com a ação de minha vontade, que fica suspensa pela ação de uma graça divina que me orienta.