A morte em perspectiva transcendente

O tema referente à morte em perspectiva transcendente implica em fazer uma distinção entre a cultura Oriental (budista) e a Ocidental (materialista), pois os budistas encaram a morte como um momento de libertação das amarras do corpo, enquanto os ocidentais a enxergam simplesmente como uma perda irreversível da vida. Para os primeiros a morte é a entrada de nossa alma nos arcanos do nada que é tudo, enquanto o Ocidente materialista, não cristão, a vê como um fato recorrente advindo de uma Natureza indiferente.

Dessa forma, é importante assinalar que a transcendência do fenômeno da morte está intimamente relacionada com a presença em nós de um Espírito Paráclito que, depois que se manifesta, se contrapõe a todas nossas limitações corporais, sendo abstrato e eterno em todas suas características, se situando acima do tempo e do espaço, fazendo de nós pessoas individuais e autoconscientes e possuidores de uma eternidade latente. SÃO PAULO chega mesmo a diferenciar entre nosso corpo físico e nosso corpo espiritual, um terrestre, o outro celestial (1ª Cor 40), ambos como primícias de nossas condições transformadoras. Assim o Ocidente fica imune de mergulhar no nihilismo radical e agnóstico de sua cultura, ao encontrar uma válvula de escape que supera sua descrença, o que seria natural diante do agnosticismo imperante.

Portanto, no Ocidente, a morte só é vista de uma forma transformadora através do Cristianismo, que tem, na ressurreição de CRISTO, o pressuposto primordial de que todos nós ressuscitaremos no último dia. A revelação é muito clara a respeito de que nossa morte é apenas uma passagem, o alcance de um estado de alegria concretizada como num banquete de recepção. Basta por isso termos a fé que nos vem mostrada pelo Evangelho, em analogia à parábola do retorno do filho pródigo (Lc. cap 15).

Por outro lado, na filosofia, seguindo as pegadas de BUDA, a essência da felicidade é a renúncia a tudo que nos possa provocar desejos e, assim, exigir sacrifícios, sendo a morte nossa libertação suprema. Em consonância, segundo SÓCRATES, a morte é benfazeja por permitir a libertação da alma de suas prisões corporais e assim permitir que nossa alma volte à plenitude de suas potencialidades e seu discípulo PLATÃO considerava nosso nascimento como uma perda, pelo decaimento de nossas ideias na matéria, considerando assim, em contrapartida, que a morte era uma forma de libertação, dentro da realidade de um mundo impuro e forrado de contrassensos. Já ARISTÓTELES vai considerar a morte como um fato natural oriundo do debacle de nossas condições biológicas.

Não obstante, pelo lado da mística, a superação da tragédia da morte procurará meios de não considerá-la tão nefasta, como nos sugere a oração:

Senhor!
Acolher a morte como bonança
É sermos ávidos na bem-aventurança
De alcançar pela fé nossa confiança
De que não se frustrará nossa esperança

Em acréscimo, o fato de termos de morrer para alcançar a bonança da vida eterna foi reafirmada por SÃO FRANCISCO em sua oração: ‘morrendo é que se vive para a vida eterna”. Dessa forma, a oração poética supera a filosofia, esta que se encontra muito próxima da aridez racional, não podendo atingir, por isso, a riqueza simbólica das simetrias que compõem a profundidade do real. O propósito do poeta é aqui assinalar ser necessário olhar o fenômeno da morte de uma forma inovadora, não à maneira negativa dos orientais, mas como entrada em dimensão transcendente.