Ciência versus Filosofia

Permanece em aberto o debate se os filósofos têm o direito de tirar supostas consequências  dos problemas misteriosos que a ciência desvenda, mas não consegue explicá-los, como ocorre p. ex. com a física quântica, com a teoria evolucionista das espécies, com a natureza da luz e outros problemas misteriosos que, naturais ou transcendentes, desafiam o saber humano. Dessa forma, para muitos cientistas, o saber obtido por eles deve ser absoluto, isto é, isento de quaisquer consequências não verificadas pelas comprovações dos experimentos. Ora, esta nos parece ser uma atitude dogmática, não compatível com a complexidade intrínseca do que nos apresenta a Natureza, rica em contradições e incompreensões racionais.

Estas circunstâncias me ocorrem depois de ler uma das últimas obras do renomado pesquisador italiano CARLO ROVELLI em seu livro O Abismo Vertiginoso (Ed. Objetiva, RJ, 2021), no qual, depois de nos relatar com brilhantismo os fatos misteriosos da física quântica, termina sua obra com investidas contra alguns pensadores que insistem em tirar conclusões ideológicas e fideístas sobre os mistérios que a Natureza insiste em nos apresentar.

Suas descrições não reconhecem que o Universo possui uma sintonia fina, que, só por ela, foi possível a saída do caos para o cosmos, sem a qual tudo acabaria no nada da ausência do sentido evolutivo que o Universo contém. Como diria LECOMTE DU NOUY, há um telefinalismo implícito em tudo que o Universo cria, aparentemente um evoluir dirigido, o surgimento de uma humanidade dotada de consciência e reflexão abstrata.

Dessa forma, para a maioria dos atuais pensadores, tudo o que o ser humano investiga é interpretação, mesmo quando o cientista está em seu laboratório, descobrindo fenômenos. Mas não é só isso. Por exemplo, o emaranhamento quântico das partículas, defendido pelo modelo de Copenhague e incompreendido inicialmente pelo paradoxo do EPR (Einstein, Podolski e Rosen), nos demonstra como os cientistas, entre eles, se confundem ao tentar descobrir os milagres que a teoria quântica nos oferece, concretizada hoje em nossos aparelhos celulares e permitindo nosso acesso aos computadores quânticos.

Por tudo isso, há margens mais do que suficientes para que os filósofos obtenham perspectivas além dos simples fatos observados, superando os preconceitos positivistas da ciência, limitados como são em seus processos. Nesse sentido, são válidas as contribuições do pesquisador indiano AMIT GOSWANI, quando nos propõe a existência de um Universo autoconsciente, forjado a partir de nossa consciência, como queria o filósofo inglês GEORGE BERKELEI (sec XVIII): ser é ser percebido.

Há, portanto um Espírito que cria a realidade, sem o qual nada teria se concretizado, um Universo que só existe a partir de nosso conhecimento, enquanto estamos vivos, e a teoria quântica nos confirma isso, quando verifica que as partículas apenas reagem aos nossos estímulos, como se aguardassem apenas as nossas reações provocativas.

Ora, importa reconhecer que há, na realidade, um pampsiquismo triádico, um mundo de estímulos significantes gerando significados, sendo nosso conhecimento o veículo para relacioná-los, como concluiu o cientista MAX BORN, em 1968: “Estou convencido de que a física teórica, na verdade, é filosofia.”